sábado, setembro 22, 2007


CASAMENTO OU DIVÓRCIO
Autor : Maurice Bibas, palestrante e jornalista de enogastronomia.

O casamento de vinhos com comida é uma aventura apaixonante e tão aleatória quanto o casamento de um homem com uma mulher. Cada vinho tem seus aromas, suas nuances e seus gostos particulares, aliados à potência ou leveza, à maciez ou dureza, à fineza ou rusticidade. Ele pode ser rico ou pobre, gordo ou magro, cheio ou vazio. É notável como esses qualificados se aplicam perfeitamente à descrição dos protagonistas de um casamento entre um homem e uma mulher.
Se analisarmos em detalhes os fatores de sucesso num casamento, vamos verificar freqüentemente que um casamento feliz acontece com pessoas que possuem o mesmo perfil: discreto com discreto, exuberante com exuberante, magro com magro, gordo com gordo, simples com simples e sofisticado com sofisticado. O Kama Sutra desenvolveu até uma teoria de afinidade sexual entre homens e mulheres pregando o pequeno com pequeno, grande com grande, etc. Por outro lado, é também freqüente encontrarmos casamentos felizes entre pessoas totalmente opostas, cujo grande segredo é o equilíbrio que resulta de dois extremos que se mesclam gerando uma sinergia onde o resultado da união dos dois extremos é maior que sua soma individual. Assim, vemos casamentos felizes de gordinhos com magrinhas, altos com baixas, simples com sofisticadas, ricos com pobres e vice-versa.
No caso de vinhos com comida o casamento poderá ocorrer por Afinidade ou por Oposição. Todos os bons livros de gastronomia arriscam sugestões de combinações. Os livros de culinária sugerem no final das receitas, alguns vinhos para acompanhar aquele prato. Os livros de vinhos fazem o contrário e sugerem a melhor comida para acompanhar o vinho. São raros os livros que ensinam os critérios da compatibilização.
Antes de mais nada, é preciso dizer que a compatibilização de comida e vinhos obedece a dois critérios distintos que podem ser adotados dependendo da situação.
1. O CRITÉRIO TÉCNICO DO CASAMENTO POR SEMELHANÇA OU POR AFINIDADE
Nesse critério, o casamento segue a mesma recomendação de afinidades nas relações entre homens e mulheres consagrado por Kama Sutra e que recomenda basicamente : Pequeno com Pequeno, Grande com Grande.
. Vinhos com aromas discretos casam com pratos simples, sem muita presença aromática.
. Vinhos com aromas potentes requerem pratos com maior potência aromática.
. Vinhos jovens e frutados combinam com comidas simples e rústicas.
. Vinhos velhos e encorpados requerem pratos mais sofisticados e com molhos suntuosos.
. Vinhos brancos jovens antes dos brancos encorpados ou velhos.
. Vinhos tintos jovens antes dos tintos encorpados e velhos.
. Vinhos ácidos antes dos vinhos macios.
. Vinhos secos antes dos vinhos doces.
2. O CRITÉRIO TÉCNICO DO CASAMENTO POR CONTRASTE OU POR OPOSIÇÃO
A gordura e/ou açúcar de um prato atenuado pela acidez e efervecência de um vinho e vice-versa.
A suculência e untuosidade de um prato é atenuada pelo álcool e pela tanicidade dos vinhos e vice-versa.
A presença aromática, o sabor marcante e a acidez de um determinado prato são atenuados pela maciez e pelos aromas do vinho e vice-versa.
Se exemplificarmos, veremos alguns pratos de nossa cozinha:
. Feijoada : Por ser um prato único e contendo muita gordura, deverá ser um vinho tinto com bastante personalidade [alto nível de álcool e taninos]. Por ser um prato rústico o vinho deverá ser, de preferência, jovem [Critério por afinidade].
. Churrasco : Por ser um prato rústico deverá ser acompanhado de um jovem vinho tinto. Se as carnes forem muito gordurosas, o vinho terá que ter um pouco de acidez, alto grau de álcool e taninos [Critério de Contraste].
. Massas : Por ser um prato com sabor marcante e molho geralmente, à base de creme de leite [gordura], recomenda-se um vinho tinto de guarda e grande presença gustativa [ Critério de Afinidade].
De qualquer forma, tenho a convicção que o grande segredo dos casamentos é a preservação do espaço de cada um dos protagonistas. No matrimônio e na comida só há casamento feliz quando nenhuma das partes sufoca o outro. No jargão dos degustadores dizemos que o vinho matou o prato ou vice-versa.
Por isso, esqueça um pouco os rótulos e fuja da tendência normal do cozinheiro juntando um grande prato a um vinho discreto e do enófilo tomando um grande vinho com um prato simples. Nesses casos não há casamento e sim, Divórcio.
Dessa forma, a sugestão que posso dar é que experimente. Não tenha o menor receio de errar e se você, de repente, gostar de um determinado vinho com um determinado prato e que essa escolha não se enquadre nos critérios acima expostos, não se preocupe. Tome o vinho que você gosta, porque na verdade: Tomar vinho é experimentar prazer, e ninguém tem o direito de lhe tirar esse privilégio.