sábado, agosto 03, 2002

O PODER DO VINHO QUE BORBULHA
O vinho é poderoso por duas razões. A primeira tem relação com o álcool, como você já estava adivinhando. Vem, justamente, da segunda razão: o aroma. E esse é o motivo fundamental, que ampara toda a equação entre homens, mulheres, vinho, amor e sexo.
Para entendermos melhor, precisamos voltar para aquele pomar dos primórdios ou, como chamam os católicos, o Jardim do Éden, o Paraíso. Quando mulheres e homens eram meros protótipos e Deus fazia experiências com eles (que osso vou usar - uma costela, talvez?), ficou decidido que os lóbulos frontais de nosso cérebro fossem ligados diretamente ao nosso bulbo olfativo - ou meramente órgão do olfato, que fica atrás do nariz e entre nossos olhos, processando tudo quanto é aroma.
Ele possui pequenos receptores localizados na nossa passagem retronasal, que captam os aromas que passam tanto quando inspiramos ou expirarmos o ar. Os receptores levam essas informações diretamente para os lóbulos frontais, integrantes de massa encefálica, justamente a região da querida cuca que realiza a parte mais dura de nosso trabalho mental.
Nenhuma outra informação eletroquímica se processa tão direta e rapidamente quanto os aromas. Eles têm passe livre, são chapas-brancas, passam direto, sem perguntas. Essa conexão, inclusive, nos ajudou desde os primórdios a entender o mundo, a perceber o que tínhamos à nossa volta: sem o sentido do olfato, provavelmente seríamos comidas pelo leão e não saberíamos onde estava a nossa caça.
Sob um ângulo evolucionário, podemos dizer que nosso órgão do olfato ajudou a desenvolver o tamanho e a qualidade, a esperteza dos nossos lóbulos frontais. E nele encontra-se também a parte dedicada às emoções. Não é de espantar, portanto, que os aromas têm o poder de disparar memórias e com elas emoções. Proust também sabia disso.
Aromas disparam memórias de fossa, rejeição, conquista e também de amor, sexo, desejo...
O vinho libera o amor
Apesar de cercados de mistérios, os aromas dos vinhos ajudam a despertar esses desejos, sentimentos, emoções, afetos e ganas amorosas. Os vinhos têm uma miríade de aromas, todos gerados pela combinação de componentes orgânicos presentes em cada garrafa, em cada taça.
Você pode até não acreditar nisso quando lê nos críticos notas sobre vinhos com aromas de palha, de carne de caça, morangos, nozes, limão, maçã, cravo, bacon, terra e até xixi de gato. O que é que isso tem de erótico? Só que esses aromas, quando se juntam com os efeitos fisiológicos e psicológicos do álcool, podem transformar a simples Maria numa Julia Roberts. E não precisa ser um vinho caro para fazer a mágica.
Estão lá Maria e José, naquele cantinho, duas velas na mesa, festejando o seu namoro com o vinho preferido. Entre os dois estão voando uma série de mensagens, sinais químicos chamados de feromônios, que são os equivalentes externos aos hormônios, as mensagens químicas que ocorrem dentro do nosso corpo.
Os feromônios viajam pelo ar ou pela água. Servem para atrair seres da mesma espécie. Ou mesmo para detê-los, afastá-los. Uma pesquisa do ano passado, realizada nos Estados Unidos, sugere que os feromônios de certas variedades de uva, particularmente a Pinot Noir, são muito semelhantes aos feromônios humanos.
Aqueles aromas comuns à Pinot Noir - especiarias, terra, almíscar e palha - estão muito próximos àqueles associados ao principal aroma masculino, a androsterona.
Trufas e aromas com toques de carvalho (comuns em vinhos que são fermentados ou amadurecidos em barris) são também associados a androsterona. É como se a bola estivesse rolando e, de repente, o vinho se comportasse como Ronaldinho e ajudasse a fazer um gol.
Será que isso explica a popularidade dos vinhos que amadurecem por muito tempo em barril? Como, atualmente, certo estilo de Chardonnay (da Austrália e da Califórnia, principalmente). Será que é por isso que a Cabernet Sauvignon é a uva tinta mais popular do mundo, com aqueles aromas de baunilha que o carvalho dos barris proporciona?
Mas enquanto a androsterona é o principal aroma masculino (as mulheres também o possem, mas em pequeníssimas quantidades), qual seria o aroma feminino? Segundo um trabalho importante sobre o olfato humano, conduzido por um médico americano de sobrenome pra lá de sugestivo, John Amoore, os principais aromas femininos são a tietilamina e o ácido isovalérico. Seus odores característicos são, respectivamente, os de peixe e queijos.
Aromas de peixe são raros de serem encontrados nos vinhos. Mas os do ácido isovalérico podem ser repetidos num vinho espumante - na Champagne, em particular - e nos queijos. Claro que toda essa ciência e esse papo olfativo prova o que a tradição e o folclore já sabem há séculos. Um champanhe (de preferência aquela com endereço em Rheims ou em Epernay) e um bom tinto vão ajudar a fazer a mágica, seja no Dia dos Namorados ou no dia que você determinar que seja aquele do encontro de Chapeuzinho com o Lobo.
Qual a poção?
A mais tradicional é o Champagne - ou qualquer bom espumante.
Você sabe que o champanhe é um vinho que pode acompanhar desde uma entrada, o prato principal e ir até a sobremesa. Poucos pratos competem com essas bolhas, ligeiramente ácidas e com aromas delicados.
Ela existe em vários estilos. A "blanc de blancs", normalmente feita inteiramente com a uva Chardonnay, tende a ser o mais delicado, com toques cítricos e florais.
A maioria dos champanhes rotulados como "Brut" (secos) são feitos com a Pinot Noir (e, em alguns casos, com a Pinot Meunier) e mais a Chardonnay: terão bom corpo e sabor.
As "blanc de noirs" são as feitas com uvas tintas - como acontece com a maioria dos champanhes rosés. São também mais encorpadas e com aromas lembrando morango ou framboesa.
Não se importe se o champanhe escolhido não tiver o ano da safra no rótulo. A maioria (cerca de 85%) dos champanhes franceses não tem essa data. Isso porque cada champanhe é produzido com uvas de outros anos, outras safras, embora 40% do vinho contido na sua garrafa sejam de uma só safra.
Para assegurar que seus feromônios viajarão carregados de ácido isovalérico, não esqueça de pedir queijos, companheiros naturais dos vinhos espumantes e do Champagne em particular. Queijos como o cheddar, o Gruyère, os de textura firme como os de cabra. Evite apenas os queijos muito gordurosos e cremosos.
A garrafa das flores
Se quiser um palpite sobre que champanhe escolher, aqui vai um. Procure pela Perrier Jouet Fleur de Champagne - um tradicional produtor que há 100 anos lançou a hoje célebre "garrafa das flores". A garrafa, decorada com flores, em desenhos muito elegantes e delicados, é com certeza uma mensagem de bom gosto, grande sabor e muito amor. Não é muito fácil de encontrar e o preço não ajuda. Mas que é uma pedida, não há dúvidas.
St. Amour
Mais fácil de encontrar e bem mais barato é esse tinto com a palavra amor no rótulo - um vinho especial e saboroso da região de Beaujolais. Especial porque não é o Nouveau ou o Village. É um estilo de Beaujolais que resiste ao tempo, bem mais maduro, mais fino, só feito em 10 localidades da região de Beaujolais.
Mas quem foi St. Amour ("Santo Amor")? Tudo que se sabe é que ele devia ter sido um soldado romano, chegado na região após abandonar o exército na Gália. Seu nome pode ter sido "Amor" ou "Amore". Era uma boa pessoa e a cidade onde viveu, na parte norte do Beaujolais, hoje leva seu nome. Há uma estátua dele na cidade, próximo à igreja de, claro, St. Amour, mostrando exatamente como era, se de fato existiu.